quinta-feira, 24 de março de 2016

Augusto Monterroso - A OVELHA NEGRA E OUTRAS FÁBULAS (1969)

O COELHO E O LEÃO

 Um célebre Psicanalista encontrou-se certo dia no meio da Selva, semiperdido. Com a força que dão o instinto e o desejo de investigação, conseguiu facilmente subir numa árvore altíssima da qual pôde observar à vontade não apenas o lento pôr do sol mas também a vida e os costumes de alguns animais, que comparou algumas vezes com os dos humanos. Ao cair da tarde viu aparecer, por um lado, o Coelho; por outro, o Leão. A princípio não aconteceu nada digno de mencionar, mas pouco depois ambos os animais sentiram as respectivas presenças e, quando toparam um com o outro, cada qual reagiu como desde que o homem é homem. O Leão estremeceu a Selva com seus rugidos, sacudiu majestosamente a juba como era seu costume e feriu o ar com suas garras enormes; por seu lado, o Coelho respirou com mais rapidez, olhou um instante nos olhos do Leão, deu meia-volta e se afastou correndo. De volta à cidade, o célebre Psicanalista publicou cum laude seu famoso tratado em que demonstra que o Leão é o animal mais infantil e covarde da Selva, e o Coelho, o mais valente e maduro: o Leão ruge e faz gestos e ameaça o universo movido pelo medo; o Coelho percebe isso, conhece sua própria força, e se retira antes de perder a paciência e acabar com aquele ser extravagante e fora de si, a quem ele compreende e que afinal não lhe fez nada. 

MONTERROSO, Augusto. A ovelha negra e outras fábulas. Tradução Millôr Fernandes. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p.11.


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