quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Florbela Espanca

QUE DIFERENÇA!...

Quando passas a meu lado,
E que olhas para mim,
Tornas-te da cor da rosa,
E eu da cor do jasmin.

Vê tu que expressões dif'rentes
Da nossa mesma ansiedade:
A cor da rosa é despeito,
A palidez é saudade!


ESPANCA, Florbela. "Trocando Olhares (1915-17)" em Poesia de Florbela Espanca Volume 1. Porto Alegre: L&PM, 2010, p.27.

Auto-retrato da poeta:

O meu talento! De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. Talvez culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!

ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca Volume 1. Porto Alegre: L&PM, 2010, p.9.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Liv Ullman. MUTAÇÕES



ESTOU AQUI, SENTADA, COM OS PENSAMENTOS ME CONDUZINDO PELO MUNDO afora e para dentro de mim mesma, enquanto tento registrar no papel essa viagem.
Quero escrever sobre o amor - sobre o ser humano - sobre solidão - sobre a existência de uma mulher.
Quero escrever sobre um encontro, numa ilha. Um homem que mudou minha vida.
Quero escrever sobre uma mutação que foi acidental e uma outra, deliberada.
Quero escrever sobre momentos que considero dádivas, bons e maus momentos.
Não creio que minha parcela de conhecimento ou de experiência seja maior do que a de qualquer outra pessoa.
Realizei um sonho - e tive mais dez, em lugar dele. Vi o outro lado de uma coisa cintilante.
Não escrevo a respeito de Liv Ullman que as pessoas encontram nas revistas e nos jornais. Alguns podem pensar que omiti fatos importantes sobre minha vida, mas nunca tive a intenção de escrever uma autobiografia.

ULLMAN, Liv. Mutações. São Paulo: Cosac & Naify, 2008, p.13.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Cacaso: 3 poemas


PASSOU UM VERSINHO voando? Ou foi uma gaivota?



HORA DO RECREIO

O coração em frangalhos o poeta é
levado a optar entre dois amores.


As duas não pode ser pois ambas não deixariam
uma só é impossível pois há os olhos da outra
e nenhuma é um verso que não é deste poema


Por hoje basta. Amanhã volta a pensar neste problema.



LAR DOCE LAR
Para MAURÍCIO MAESTRO

Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Haruki Murakami. KAFKA À BEIRA-MAR

- É por tudo isso que gosto de ouvir Schubert enquanto dirijo. Porque, conforme já disse, quase todaas as execuções contêm algum tipo de imperfeição. E imperfeições de boa e densa qualidade artística estimulam a consciência, despertam a atenção. Se eu dirigisse ouvindo uma execução perfeita de uma obra também perfeita talvez me viesse a vontade de fechar os olhos e morrer. Mas ao ouvir a Sonata em ré maior, detecto em vez disso os limites da diligência humana. E então compreendo que certo tipo de perfeição só se atinge pelo infinito acúmulo de imperfeições. E isso me dá coragem. Está entendendo o que eu digo?

MURAKAMI, Haruki. Kafka à beira-mar. tradução do japonês por Leiko Gotoda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p.139.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Bukowski. CARTAS NA RUA

O padre leu o troço. Não escutei. Lá estava o caixão. O que fora Betty estava lá dentro. Estava muito quente. O sol descambava numa folha amarela. Uma mosca voou. Lá pelo meio do 1/2 funeral dois caras com roupas de trabalho entraram carregando minha coroa. As rosas tinham morrido, tinham morrido e estavam morrendo no calor, eles apoiaram aquele troço contra o tronco de uma árvore próxima. Quase no final da cerimônia minha coroa se dobrou pra frente e caiu de chapa no chão. Ninguém pegou o troço. Daí acabou. Fui até o padre e apertei sua mão:
- Obrigado.
Sorriu. Com esse foram dois sorrisos: o do padre e o de Márcia.
De volta Larry disse novamente:
- Eu te escrevo a respeito da lápide.
Ainda estou esperando essa carta.

BUKOWSKI, Charles. Cartas na Rua. Brasiliense: São Paulo, 1983, p.91.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Friedrich Nietzsche

PRÓLOGO

1.

Neste livro se acha um verdadeiro "ser subterrâneo" a trabalhar, um ser que perfura, que escava, que solapa. Ele é visto - pressupondo que se tenha vista para esse trabalho na profundeza - lentamente avançando, cauteloso, suavemente implacável, sem muito revelar da aflição causada pela demorada privação de luz e ar; até se poderia dizer que está contente com o seu obscuro lavor. Não parece que alguma fé o guia, algum consolo o compensa? Que talvez queira a sua própria demorada treva, seu elemento incompreensível, oculto, enigmático, porque sabe o que também terá: sua própria manhã, sua redenção, sua aurora?... Certamente ele retornará: não lhe perguntem o que busca lá embaixo, ele mesmo logo lhes dirá, esse aparente Trofônio e ser subterrâneo, quando novamente tiver se "tornado homem". Um indivíduo desaprende totalmente o silenciar, quando, como ele, foi por tão longo tempo toupeira, solitário - -

Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.9.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O cinema: ensaios

"Mas enquanto azul de cima é quase vazio e estéril, aberto apenas no infinito para a luz das estrelas ou para a aridez dos astros mortos, o espaço de baixo é o da vida, onde misteriosas e invisíveis nebulosas de plâncton refletem o eco do radar. Dessa vida náo somos mais que um gráo abandonado entre outros na praia oceânica. Dizem os biólogos que o homem é um animal marinho que carrega seu mar em seu interior. Nada de espantoso, portanto, que o mergulho lhe dê também, provavelmente, o vago sentimento de volta às origens.
Diriam que estou delirando. Gostaria que dessem outras explicaçóes às minhas sugestóes, mas náo há dúvida de que a beleza do mundo submarino náo se reduz à sua variedade decorativa, nem tampouco às surpresas que ele nos reserva. Foi a inteligência de Cousteau e de sua equipe que compreendeu, desde o início, que a estética da exploraçáo submarina, ou, se preferirem, sua poesia, era parte integrante do acontecimento e que, gerada pela ciência, ela sò se mostrava a ele através da admiraçáo do espírito humano. Um dia virá provavelmente. em que nos tornaremos insensíveis a esse amontoado de imagens desconhecidas. Ainda que o bastiscafo nos prometa muitas descobertas. Azar nosso. Enquanto isso, vamos aproveitar."


André Bazin sobre o filme O mundo do silêncio (Jacques-Yves Cousteau e Louis Malle, 1956) retirado do livro O cinema: ensaios. Sáo Paulo: Brasiliense, 1991, p.44.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Gregory Corso

Para Miles

Teu som é sem falhas
........ puro & redondo
...............sagrado
........quase profundo

Teu som é todo seu
........real & sai de dentro
........uma confissão
........de alma plena & adorável

Poeta cujo som é cantado
........perdido ou gravado
........porém escutado
........consegues lembrar aquela noite em 54 no Open Door
........quando tu & Charlie Bird
........entoaram o lamento daquela partitura assombrosa,
........inimaginável, às cinco da manhã?

Gregory Corso

Sinto saudades daqueles meus gatos

Minhas mãos de aquarela estão agora sem gatos
sentado aqui sozinho na escuridão
minha cabeça como janela está triste com pesadas cortinas
sem gatos estou quase a morrer
atrás de mim meu último gato enforcado na parede
morto por minha ébria mão alcoólica
E em todas as outras paredes do sótão ao porão
minha vida triste dew gatos enforcados