terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Kenzaburo Oe. JOVENS DE UM NOVO TEMPO, DESPERTAI! (1983)

- O ser humano às vezes magoa ou é magoado por seus semelhantes no decorrer da vida, não é? E ainda no decorrer da vida, ele salda tanto débito quanto crédito. Ele compensa seu semelhante e também se faz compensar. Ele acerta as contas e depois... Desde os meus tempos de estudante sempre tive a mente ocupada por esse tipo de pensamento, voltado para o futuro, sabe? Mas essa é uma espécie de conta que não se consegue acertar no decorrer de uma vida. No fim, não nos sobra outro recurso senão o de pedir perdão às pessoas que magoamos e, é claro, de perdoar quem nos magoou. Acabei chegando à conclusão de que essa talvez seja nossa única saída. Jesus perdoa os pecados, não perdoa? Dizem que esse ideário surgiu na Europa pós-Grécia e que foi invenção do cristianismo, mas você já chegou a pensar nesse tipo de coisa?
- Bem, eu não entendo de cristianismo - respondi, sentindo-me inútil e culpado. - Mas Blake é ainda mais radical; ele diz que o pecado é um reflexo da soberbia da razão e que como a humanidade inteira chafurda nele, não faria sentido condená-lo ou tentar uma represália contra ele, e que mais importante que tudo é obter o "perdão dos pecados" através de Jesus.
- Obter o "perdão dos pecados"? Pode ser que as coisas se tornassem um pouco mais fáceis se pudéssemos pensar desse jeito. Porque tanto o mal que fazemos aos outros como o que os outros nos fazem, e de que nos lembramos com rancor por muito tempo, significa sofrimento para nós, não é mesmo?
Depois que meu amigo H faleceu, contaram-me que ele teria dito à mulher, momentos depois de sua internação: "Eu estraguei sua vida, não é mesmo?". Lembrei-me então dessa nossa conversa.

OE, Kenzaburo. Jovens de um novo tempo, despertai! (tradução de Leiko Gotoda). São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.276-277.