domingo, 19 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Haruki Murakami. KAFKA À BEIRA-MAR

- É por tudo isso que gosto de ouvir Schubert enquanto dirijo. Porque, conforme já disse, quase todaas as execuções contêm algum tipo de imperfeição. E imperfeições de boa e densa qualidade artística estimulam a consciência, despertam a atenção. Se eu dirigisse ouvindo uma execução perfeita de uma obra também perfeita talvez me viesse a vontade de fechar os olhos e morrer. Mas ao ouvir a Sonata em ré maior, detecto em vez disso os limites da diligência humana. E então compreendo que certo tipo de perfeição só se atinge pelo infinito acúmulo de imperfeições. E isso me dá coragem. Está entendendo o que eu digo?

MURAKAMI, Haruki. Kafka à beira-mar. tradução do japonês por Leiko Gotoda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p.139.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Bukowski. CARTAS NA RUA

O padre leu o troço. Não escutei. Lá estava o caixão. O que fora Betty estava lá dentro. Estava muito quente. O sol descambava numa folha amarela. Uma mosca voou. Lá pelo meio do 1/2 funeral dois caras com roupas de trabalho entraram carregando minha coroa. As rosas tinham morrido, tinham morrido e estavam morrendo no calor, eles apoiaram aquele troço contra o tronco de uma árvore próxima. Quase no final da cerimônia minha coroa se dobrou pra frente e caiu de chapa no chão. Ninguém pegou o troço. Daí acabou. Fui até o padre e apertei sua mão:
- Obrigado.
Sorriu. Com esse foram dois sorrisos: o do padre e o de Márcia.
De volta Larry disse novamente:
- Eu te escrevo a respeito da lápide.
Ainda estou esperando essa carta.

BUKOWSKI, Charles. Cartas na Rua. Brasiliense: São Paulo, 1983, p.91.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Friedrich Nietzsche

PRÓLOGO

1.

Neste livro se acha um verdadeiro "ser subterrâneo" a trabalhar, um ser que perfura, que escava, que solapa. Ele é visto - pressupondo que se tenha vista para esse trabalho na profundeza - lentamente avançando, cauteloso, suavemente implacável, sem muito revelar da aflição causada pela demorada privação de luz e ar; até se poderia dizer que está contente com o seu obscuro lavor. Não parece que alguma fé o guia, algum consolo o compensa? Que talvez queira a sua própria demorada treva, seu elemento incompreensível, oculto, enigmático, porque sabe o que também terá: sua própria manhã, sua redenção, sua aurora?... Certamente ele retornará: não lhe perguntem o que busca lá embaixo, ele mesmo logo lhes dirá, esse aparente Trofônio e ser subterrâneo, quando novamente tiver se "tornado homem". Um indivíduo desaprende totalmente o silenciar, quando, como ele, foi por tão longo tempo toupeira, solitário - -

Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.9.