segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O cinema: ensaios

"Mas enquanto azul de cima é quase vazio e estéril, aberto apenas no infinito para a luz das estrelas ou para a aridez dos astros mortos, o espaço de baixo é o da vida, onde misteriosas e invisíveis nebulosas de plâncton refletem o eco do radar. Dessa vida náo somos mais que um gráo abandonado entre outros na praia oceânica. Dizem os biólogos que o homem é um animal marinho que carrega seu mar em seu interior. Nada de espantoso, portanto, que o mergulho lhe dê também, provavelmente, o vago sentimento de volta às origens.
Diriam que estou delirando. Gostaria que dessem outras explicaçóes às minhas sugestóes, mas náo há dúvida de que a beleza do mundo submarino náo se reduz à sua variedade decorativa, nem tampouco às surpresas que ele nos reserva. Foi a inteligência de Cousteau e de sua equipe que compreendeu, desde o início, que a estética da exploraçáo submarina, ou, se preferirem, sua poesia, era parte integrante do acontecimento e que, gerada pela ciência, ela sò se mostrava a ele através da admiraçáo do espírito humano. Um dia virá provavelmente. em que nos tornaremos insensíveis a esse amontoado de imagens desconhecidas. Ainda que o bastiscafo nos prometa muitas descobertas. Azar nosso. Enquanto isso, vamos aproveitar."


André Bazin sobre o filme O mundo do silêncio (Jacques-Yves Cousteau e Louis Malle, 1956) retirado do livro O cinema: ensaios. Sáo Paulo: Brasiliense, 1991, p.44.