quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Murilo Mendes. AS METAMORFOSES (1944)

O EMIGRANTE

A Henri Michaux
A nuvem andante acolhe o pássaro
Que saiu da estátua de pedra.
Sou aquela nuvem andante,
O pássaro e a estátua de pedra.

Recapitulei os fantasmas,
Corri de deserto em deserto,
Me expulsaram da sombra do avião,
Tenho sede generosa,
Nenhuma fonte me basta.
Amigo! Irmão! Vou te levar
O trigo das terras do Egito,
Até o trigo que não tenho.
Egito! Egito! Amontoei
Para dar um dia a outrem:
Eis-me nu, vazio e pobre.
A sombra fértil de Deus
Não me larga um só instante.
Levai-me o astro da febre:
Eu vos deixo minha sede,
Nada mais tenho de meu.

MENDES, Murilo, "O Emigrante" em Antologia Poética. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p.82.

Nenhum comentário:

Postar um comentário