sábado, 8 de janeiro de 2011

John Fante. 1933 FOI UM ANO RUIM

Permaneci deitado na noite branca vendo o mau hálito escapar em pequenas nuvens. Sonhadores, éramos uma casa repleta de sonhadores. A vovó sonhava com sua casa na distante Abruzzi. O meu pai sonhava em ver-se livre das dívidas e empilhando tijolos lado a lado com seu filho. A minha mãe sonhava com a divina recompensa de um marido que não se ausentava de casa. Minha irmã Clara sonhava em tornar-se uma freira e o meu irmãozinho Frederick mal podia esperar para crescer e tornar-se um cowboy. Fechando os olhos eu pude ouvir o zumbido dos sonhos pela casa e então adormeci.

FANTE, John. 1933 foi um ano ruim. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990, p.33.


*

Seus olhos saltaram de espanto. Eu o soltei e ele se virou e entrou no ônibus. Eu me afastei, cuspindo o gosto de óleo enquanto ele desaparecia na nevasca. Meti as mãos nos bolsos e comecei a subir a Pearl Street, afundado os pés a caminho de casa, debaixo daquela tempestade sem sentido. Mas a neve tinha suas vantagens, afinal. Ela nos escondia dos outros, escondia nossas sardas e orelhas de abano e a estatura ridícula, enquanto passamos pelos outros fantasmas daquela desolação, cabeças pendidas, olhos abaixados, nossa culpa e inutilidade bem protegidos lá dentro.

FANTE, John. 1933 foi um ano ruim. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990, p.61.

Nenhum comentário:

Postar um comentário