segunda-feira, 25 de abril de 2011

Haruki Murakami. MINHA QUERIDA SPUTNIK

Por que as pessoas têm de ser tão sós? Qual o sentido disso tudo? Milhões de pessoas neste mundo, todas ansiando, esperando que outros as satisfaçam, e contudo se isolando. Por quê? A terra foi posta aqui só para alimentar a solidão humana?
Virei-me de costas na laje, contemplei o céu e pensei em todos os satélites feitos pelo homem girando ao redor da Terra. O horizonte continuava delineado com um brilho tênue, e estrelas começavam a cintinlar no céu profundo, cor de vinho. Busquei entre elas a luz de um satélite, mas ainda estava muito claro para localizar um a olho nu. As poucas estrelas pareciam fixas no lugar, imóveis. Fechei os olhos e prestei bastante atenção aos descendentes de Sputnik, mesmo agora circulando ao redor da Terra, a gravidade seu único elo com o planeta. Almas solitárias de metal, na escuridão desobstruída do espaço, encontravam-se, passavam umas pelas outras e se separavam, nunca mais se encontrando. Nenhuma palavra entre elas. Nenhuma promessa a cumprir.

MURAKAMI, Haruki. Minha querida Sputnik. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p.195.

De modo que é assim que vivemos nossas vidas. Não importa quão profunda e fatal seja a perda, o quão importante fosse o que nos roubaram - que foi arrebatado de nossas mãos -, mesmo que mudemos completamente, com somente a camada externa de pele igual à de antes, continuamos a representar as nossas vidas dessa maneira, em silêncio. Aproximamo-nos cada vez mais do fim da dimensão do tempo que nos foi estipulado, dando-lhe adeus enquanto vai minguando. Repetindo, quase sempre habilmente, as proezas sem fim do dia-a-dia. Deixando para trás uma sensação de vazio imensurável.

[...]

Eu sonho. Às vezes, acho que é a única coisa certa a fazer. Sonhar, viver no mundo dos sonhos - exatamente como Sumire dizia. Mas não dura para sempre. A vigília sempre chega para me levar de volta.
Acordei às três da manhã, acendi a luz, sentei-me na cama e olhei o telefone ao meu lado. Imagino Sumire em uma cabine telefônica, acendendo um cigarro e apertando os botões do meu número. Seu cabelo está embaraçado; ela usa um paletó espinha-de-peixe masculino, vários tamanhos acima do seu, e meias que não combinam. Ela franze o cenho, engasgando um pouco com a fumaça. Demora para apertar todos os números corretamente. Sua cabeça está cheia de coisas que quer me contar. Ela é capaz de falar até amanhecer, quem sabe? Sobre, digamos, a diferença entre símbolos e signos. Meu telefone parece que vai tocar a qualquer minuto. Mas não toca. Deito-me e olho fixo para o telefone silencioso.


MURAKAMI, Haruki. Minha querida Sputnik. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p.226-227.

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