sexta-feira, 4 de março de 2011

Elias Canetti. MASSA E PODER

Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido. Ele quer ver aquilo que o está tocando: quer ser capaz de conhecê-lo ou, ao menos, de classificá-lo. Por toda parte, o homem evita o contato com o que lhe é estranho. À noite ou no escuro, o pavor ante o contato inesperado pode intensificar-se até o pânico. Nem mesmo as roupas proporcionam segurança suficiente - quão facilmente se pode rasgá-las, quão fácil é avançar até a carne nua, lisa, indefesa da vítima.
Todas as distâncias que os homens criaram em torno de si foram ditadas por esse temor de contato. As pessoas trancam-se em casas que ninguém pode adentrar, somente nelas sentindo-se mais ou menos seguras. O medo do ladrão não se deve unicamente a seu propósito de roubar, mas é também um temor ante seu toque súbito, inesperado, saído da escuridão. A mão transformada em garra é o símbolo que sempre se emprega para representar esse medo. Trata-se aí de uma questão que, em boa parte, manifesta-se no duplo sentido da palavra agarrar [angreifen]. Nesta encontram-se contidos ao mesmo tempo tanto o contato inofensivo quanto o ataque perigoso, e algo deste último sempre ecoa no primeiro. Já o substantivo agressão [Angriff], por sua vez, viu-se reduzido exclusivamente ao sentido negativo da palavra.

CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.13.

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