segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Natalia Ginzburg. LÉXICO FAMILIAR

Advertência

Neste livro, lugares, fatos e pessoas são reais. Não inventei nada: e toda vez que, nas pegadas do meu velho costume de romancista, inventava, logo me sentia impelida a destruir tudo o que inventara.
Os nomes também são reais. Ao sentir, escrevendo este livro, uma intolerância tão profunda pra com qualquer invenção, não pude mudar os nomes verdadeiros, que me pareceram indissolúveis das pessoas verdadeiras. Pode ser que desagrade a alguém encontrar-se deste modo, com seu nome e sobrenome, num livro. Mas quanto a isso não tenho nada a responder.
Escrevi apenas aquilo de que me lembrava. Por isso, se este livro for lido como uma crônica, será possível, objetar que apresenta infinitas lacunas. Embora extraído da realidade, acho que deva ser lido como se fosse um romance: ou seja, sem exigir dele nada a mais, ou a menos, do que um romance pode oferecer.
E nele há também muitas coisas que eu lembrava e que deixei de escrever, e dentre essas, muitas que diziam respeito diretamente à minha pessoa.
Não sentia muita vontade de falar de mim. De fato, esta não é a minha história, mas antes, mesmo com vazios e lacunas, a história de minha família. Devo acrescentar que, no decorrer de minha infância e adolescência, propunha-me sempre a escrever um livro que contasse sobre as pessoas que viviam, então, ao meu redor. Este, em parte, é aquele livro: mas só em parte, porque a memória é lábil, e porque os livros extraídos da realidade frequentemente não passam de tênues vislumbres e estilhaços de tudo o que vimos e ouvimos.

GINZBURG, Natalia. Léxico familiar. São Paulo: Cosac & Naify, 2009, p.9-10.

Nenhum comentário:

Postar um comentário