O que presenciou o indivíduo que nasceu no começo do século XX e viveu conscientemente todo o nosso período (ele teria catorze anos no começo da Primeira Guerra Mundial)? Os massacres de 1914-1918, a Revolução Russa, Hitler e Auschwitz, Stálin e o Gulag, Hiroshima, Mao Tse-Tung e a Revolução Cultural, Pol Pot e o genocídio cambojano, a deriva da América Latina com seus caudilhos sanguinolentos e seus "desaparecidos", a África faminta, a revolução islâmica e o restabelecimento da charia.
Mas Hitler, Stálin, Mao e Pol Pot não teriam feito nada se o mimetismo não tivesse criado inúmeros sósias em miniatura. Por sinceridade, cinismo ou, mais simplesmente, por uma questão de sobrevivência, eles puderam dar, nas proporções que lhes foram permitidas, livre curso a seus impulsos sádicos.
Ainda mais angustiante é esta observação: os torturadores de hoje são muitas vezes as vítimas de ontem. Essa inversão dos papéis - o mártir que vira carrasco - levanta uma interrogação ontológica extremamente banal: o que é o homem? Instados a responder, os jovens candidatos à Escola Normal Superior reviram as bibliotecas. Nosso caminho é outro, indutivo. Foi a observação do trágico - Pol Pot "repetindo" para as elites cambojanas a armadilha de Esparta aos hilotas - que nos levou a colocar a mais antiga questão da história do pensamento. Se se crê - e tal é a nossa convicção - que a história vivida não se explica pela vontade da Providência, nem pelo papel determinante de tal ou qual personagem carismática, nem pelas decisões e medidas de uma pequena oligarquia, nem pela ação transformadora das instituições, nem pelo messianismo do proletariado e de todos os oprimidos, e sim pela soma/subtração (o saldo) das volições de uma multidão de indivíduos que interiorizaram uma ética - digamos um acordo entre normas e valores -, é certamente o estudo da vida privada que nos permite esperar um acesso ao conhecimento do sujeito social. É isso que nos estimula a prosseguir em nosso estudo, uma simples reflexão epistemológica, um primeiro passo de uma pré-história da história-narrativa.
VINCENTE, Gérard. "Uma história do segredo?" em História da vida privada vol.5: Da Primeira Guerra aos nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.177-178.